Colaborar com Deus na geração de humanidade: reflexões cuidadoras sobre maternidade
Diante do cenário inédito colocado pela pandemia COVID-19, somos desafiados/as ao cuidado criativo. Temos mais perguntas que respostas; compartilhamos preocupações, medos, incertezas, uma saudade da “vida normal” que tínhamos até que um vírus invisível nos recordou de uma maneira dolorosa a fragilidade e brevidade da existência. Tem um vírus rondando por aí, e isso tem mudado tudo.
Contudo, perderemos uma oportunidade única de crescimento pessoal e comunitário se, diante dessa situação, nos focarmos em minimizar riscos, multiplicar precauções e buscar a volta de uma “normalidade” que não retornará. Seremos e precisamos ser outros/as depois desse tempo. Já fomos “normais” por muito tempo!
Na escola, em outros tempos, essa seria uma semana bastante intensa de encontros e celebrações. Nossos/as estudantes e educadores/as estariam ocupados/as em organizar homenagens múltiplas para as mães; haveria encontros, músicas, abraços, beijos carinhosos, tudo aquilo que o isolamento social não nos permite no atual momento.
Para nós na Educação Vicentina, seria uma semana também para recordar de uma maneira especial a vida e obra de nossa fundadora, Luísa de Marillac, cuja festa comemoramos no dia 09 de maio. Nas paredes de nossas escolas teríamos retratos seus pintados pelas crianças, recortes e colagens, frases e relatos de sua vida que nos inspiram, momentos orantes em nossas capelas. Talvez uma de nossas educadoras vestiria uma roupa similar à que Luísa usava e visitaria nossas turmas, deixando mensagens de incentivo e um pequeno regalo para adoçar nosso dia.
Esse ano tudo mudou! A gente provavelmente vai estar em casa, trabalhando e estudando – ou preocupados/as com nossos estudos e com nossos empregos – sem grandes homenagens, viagens ou eventos. Nossas mães, avós, as muitas mulheres e outras pessoas que fazem parte de nossas vidas e que são expressão de presença e cuidado materno, possivelmente estarão fazendo seus malabarismos cotidianos para cuidar de suas famílias, acompanhar a rotina de estudo das crianças, trabalhar remota ou presencialmente, vigiadas por uma série de exigências sanitárias. Alguns/as de nós, talvez, faremos a experiência da saudade e da dor por nossas mães que partiram, que estão doentes ou geograficamente distante de nós; as telas e dispositivos nos aproximam, mas nunca será a mesma coisa.
Então, o que celebrar, sem cair no risco do discurso retórico, distante da vida real?
Uma certeza que temos é que esse tempo está sendo para todos/as um imperativo para (re) aprender muitas coisas, para rever nossas prioridades, para ressignificar nossas relações. Esse tem sido o convite da proposta #ValoresEmCasa que, como Rede Vicentina de Educação, temos dinamizado nas últimas semanas. Durante estes próximos dias, queremos refletir sobre a maternidade, olhando para Luísa de Marillac – que também foi mãe - sob a ótica da colaboração, um de nossos valores institucionais e que está sintonizado com o cuidado das relações.
A primeira atitude, quem sabe, seja a de superarmos os estereótipos romantizados sobre a maternidade que, na maioria das vezes, a idealizam demasiadamente, mas não chegam a tocar o chão cotidiano em que ela se plasma. Os adjetivos da maternidade não têm raiz somente biológica; eles são plurais como plurais são as realidades de nossas mães. Na escola, temos a comprovação dessa imagem. Há muitas mulheres, há muitas pessoas que são geradoras de vida na vida de suas famílias e nos múltiplos espaços onde estão. Nós nos lembramos do cuidado materno de tantas avós para com seus netos e netas; pensamos nas mães que, por circunstâncias diversas, são chefes de suas famílias e assumem sozinhas essa tarefa de cuidado e proteção dos seus; nos solidarizamos com as mulheres mães que são vítimas de violência doméstica, de preconceito social, racial, religioso. E como não trazer à mente, também, as muitas mães que estão na linha de frente de combate à pandemia, profissionais de saúde, servidoras públicas que estão encarando muitos riscos para preservar, cuidar, salvar a vida de tantas pessoas; nos curvamos diante da doação das mães que padeceram pelo contágio do coronavírus; que o testemunho de sua doação também nos contagie e nos ajude a sair das bolhas de nossos individualismos. Maternidades que se conjugam com resistências e lutas diárias pela vida.
Fazemos referência também a maternidade simbólica assumida por cada educador/a, especialmente nestes tempos de presença e ensino remoto; têm sido inúmeros os “partos” de criatividade para chegar até os/as estudantes, acolher as famílias; falamos do trabalho incansável das coordenações pedagógicas, orientações, direções, secretarias e colaboradores/as, que têm se reinventado para gerar vida na vida da Comunidade Educativa. Olhamos para as famílias que têm sido parceiras, compreensivas de que educação não é negócio, mas missão com a qual temos um compromisso comum e que, nesse momento, precisamos de todos/as.
Nós que somos pessoas de fé, entendemos que é nesse chão cheio de desafios e possibilidades que Deus caminha, acompanhando nosso percurso, inspirando nossas ações e opções, nos sustentando emocional e espiritualmente quando não sabemos como lidar com as situações que se apresentam. Nós olhamos para a vida de Luísa de Marillac e percebemos que sua santidade foi exatamente isso: a confiança permanente de que Deus é presente e amoroso em seu cuidado. E percebemos que, todas as vezes que nós somos reflexos dessa presença que cuida, estamos colaborando com Ele na geração de humanidade, de pessoas novas e renovadas, começando por nós mesmos/as.
Pela colaboração entendemos que não somos o centro, que o mundo não gira ao redor de nós e de nossas necessidades; somos interdependentes, responsáveis uns/as pelos/as outros/as, e precisamos fazer nossa parte. Da mesma forma, aprendemos que toda colaboração implica uma atitude de desprendimento, de escuta, de entrega. E nossas mães são exímias mestras nessa lição de doação.
Como nos testemunham nossas mães, como aprendemos de Luísa de Marillac, nós somos colaboradores/as de Deus em sua obra de amor e cuidado; somos geradores/as de humanidade nestes tempos de buscas e inseguranças. Podemos e devemos celebrar isso: essa pertença mútua, apesar ou a partir de todas as adversidades. A caridade criativa ao infinito que tanto falamos em nossas reflexões passa por essa sensibilidade que, embora em distanciamento social, não nos deixa refém dos isolamentos reais e simbólicos que nos rodeiam. Que humanidade temos gerado ao nosso redor?
Pastoral Escolar Vicentina – Província de Curitiba