Nas Trilhas com São Vicente de Paulo: educar para a efetividade afetiva do amor!

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Entre as memórias celebrativas que acompanham o mês de setembro, uma delas nos é especial como Comunidade Educativa Vicentina. A festa de São Vicente de Paulo, recordada no dia 27 de setembro, é uma ocasião para revisitarmos as origens e propósitos de nossa missão, cujas raízes se vinculam à vida e obra desse grande santo. Esse exercício, contudo, é muito mais do que o conhecimento de dados biográficos do “Pai dos Pobres”, tal como ele é conhecido pelo povo, mas nos convida a uma aproximação atenta que busca captar e atualizar para o nosso tempo as motivações que orientaram seu viver.

Percebemos, assim, que as trilhas existenciais percorridas por ele são, ao mesmo tempo, tão diferentes e tão iguais às nossas. Dentro de nós também mora um adolescente sonhador e ambicioso; um jovem idealista e aventureiro; um adulto teimoso e perspicaz; um homem que se deixou educar pelas experiências e encontros da vida; um ser humano que assumiu um processo exigente de autoconhecimento e trabalho interior; um velhinho bondoso que carregou no rosto as marcas de uma vida aprendente; e, especialmente, um discípulo de Jesus que amou profundamente o Reino e os pobres.

Um dos dizeres mais conhecidos de São Vicente nos fala do amor afetivo e efetivo. De maneira sinônima, também falamos da caridade afetiva e efetiva. Quem faz parte da Família Vicentina certamente já ouviu e utilizou essa expressão muitas vezes. Ela é como aquele tesouro de que fala o evangelista Mateus de “onde se tira coisas novas e velhas” (cf. Mt 13,52).  São palavras-sementes, ou seja, potentes para gerar novas vidas, ensinamentos, aprendizados.

Na frase inspiradora que nos acompanha este ano, o amor afetivo e efetivo é apresentado na originalidade de seu sentido e método: - o que (servir); - a quem (Nosso Senhor); - como (espiritual e corporalmente); - onde, enquanto sujeitos (nos seus membros) e contextos (em casa deles ou então onde a Providência enviar). Como educadores/as vicentinos/as, somos provocados/as a traduzir essa frase na “gramática cotidiana” da educação.

Partimos da premissa que educar é servir! Um serviço exigente, complexo, dinâmico. Um serviço que acontece sob diferentes formas: pela mediação do conhecimento em sala de aula, pelo zelo e cuidado com os espaços escolares, pela gestão de processos pedagógicos e administrativos, pelo cultivo dos valores e vivência da ética cristã nas muitas relações que marcam o dia a dia da escola. Um serviço que envolve a todos/as e a todo momento, que implica discernimento conjunto e reta intenção.

Em um tempo em que serviços são vendíveis e precificáveis – também serviços religiosos -, quem sabe a gente precise aprofundar a nossa compreensão sobre esse termo. Sob a ótica do Evangelho, servir não é a submissão voluntária onde há alguém que se subjuga à vontade de outrem. O servir evangélico se radica na mística do lava-pés (cf. Jo 13, 1ss): servir é reconhecer a outra pessoa como irmão e irmã, com quem compartilhamos um vínculo existencial indissolúvel firmado na dignidade de nossa humanidade. Para nós cristãos e cristãs, essa dignidade comum é assumida no reconhecimento mútuo que todos/as somos filhos e filhas de Deus, de quem somos imagens e semelhança (cf. Gn 1,27).

O amor vicentino é um amor servo porque é amor em movimento, descentrado de si, gratuito, maduro, vivido na atenção à integralidade da outra pessoa (espiritual e corporal). Em nossa proposta pedagógica, esse elemento aparece como um dos compromissos da Educação Vicentina (Formação Integral). Concretamente, se revela nos gestos cotidianos de atenção e cuidado mútuo: no estudante que é sensível ao seu colega que, em determinado dia, foi visitado pela tristeza, e lhe oferece um ombro amigo; no educador que assume com dedicação a tarefa de mediar as aprendizagens e relações em sala de aula; no profissional administrativo que encontra com o colega dos serviços gerais e sabe agradecer por sua dedicação no zelo pelos espaços escolares, e faz sua parte para mantê-los em ordem; na pessoa do portão ou da recepção que tem a possibilidade de oferecer o primeiro sorriso e a primeira palavra de acolhida a quem chega na Instituição Educativa; no/a secretário/a que zela pela documentação e registros da Comunidade Educativa; na equipe multidisciplinar que senta junto para refletir e discernir quais os melhores caminhos para que o propósito da missão educativa se cumpra; na vivência solidária que vai além das paredes da escola e é capaz de mover nossos braços e corações na direção das pessoas mais vulneráreis.

Nossas atitudes e ações, por mais simples que sejam, são experiências potentes de amor. Como dito pelo próprio São Vicente: “A perfeição não consiste na multiplicidade de coisas feitas, mas no fato de serem bem-feitas”. Tal perfeição que não tem a ver tanto com resultados de excelência, mas com processos autênticos e coerentes, com intencionalidade e entrega.
Essas trilhas cotidianas do amor-serviço nos indicam, igualmente, quem são seus sujeitos, não enquanto destinatários, mas na perspectiva da mutualidade. Se reconhecemos em cada pessoa a presença de Nosso Senhor, todas as pessoas que caminham conosco na missão educativa são sujeitos a serem abraçados pela afetividade e efetividade da caridade, a começar por nós mesmos. Isso ressoa na afirmação que acompanha a Pedagogia Vicentina de que somos uma Comunidade Aprendente. Se o amor passa pela dimensão de nossa vontade e escolhas, amar também se aprende!

Por fim, ao pensarmos os contextos, a frase de São Vicente é inspiradora porque nos possibilita evocar uma imagem muito sugestiva: amar o/a outro/a na sua própria casa! No contexto de São Vicente – e no nosso hoje – isso significava a ação factual de visita e atendimento aos pobres em seus domicílios. Pensando essa expressão sob a ótica educativa, podemos ampliar esse olhar para as “casas” simbólicas que marcam nossos contextos, o que implica, de um lado, se aproximar e adentrar no espaço sagrado da morada de alguém e, de outra parte, abrir as portas e janelas de nossa própria casa interior para viver a hospitalidade que educa para o bem-querer e o bem comum.

Aprendamos de São Vicente de Paulo a percorrer as Trilhas da Caridade, acolhendo no ordinário da vida as múltiplas oportunidades que a Providência Divina coloca de educar – e educarmo-nos – para a afetiva e efetividade do amor-serviço! Ao celebrarmos mais uma vez a festa de nosso Fundador, olhemos para ele como inspiração que nos motiva a superarmos o automatismo e a superficialidade, bem como a apatia e o pessimismo que nos circunda. Sejamos pessoas contemplativas na ação, capazes de cultivar juntos/as o encantamento e a esperança nos caminhos e paisagens dessa experiência única que se chama educação!

Pastoral Escolar Vicentina - Província de Curitiba
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